Nuances da reforma tributária

 

Apontar os principais pontos sobre as propostas da reforma tributária não é uma tarefa simples. Atualmente, existem alguns projetos de Lei, em tramitação na esfera federal, que preveem, entre outras medidas, a unificação do PIS e da COFINS para a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços, o CBS, nos moldes de um Imposto de Valor Agregado, o IVA.

Neste mês, a Newsletter do IPC conversou com o sócio da Miguel Silva & Yamashita, professor Miguel Silva, sobre o assunto. Ele aponta as principais mudanças e os impactos da Reforma Tributária no dia a dia das empresas e dos profissionais. Confira a seguir a entrevista:

Newsletter IPC: Como está a tramitação dos projetos para a reforma tributária atualmente? Temos consenso para uma proposta única?

Miguel Silva: Há duas importantes PECs (Propostas de Emenda Constitucional) em evidência tramitando no Congresso Nacional: a PEC nº 45/2019 de relatoria do Deputado Baleia Rossi, com a contribuição e apoio técnico do CCIF (Centro de Cidadania Fiscal) e a PEC nº 110/2019 do Senador Davi Alcolumbre, baseada no projeto do ex-deputado Luiz Carlos Hauly.

A PEC 45 representa uma reforma tributária menos impactante, embora tratar-se de projeto relevante, haja vista que estabelece apenas a unificação dos tidos tributos indiretos (IPI, ICMS, ISS, PIS/PASEP e COFINS), não cuidando dos ditos tributos diretos (Exs: IRPJ, CSLL, IPVA, IPTU), os quais apresentam também nevralgias a serem corrigidas, algo que a PEC 110 endereça.

Nesse contexto, a PEC 110 se mostra mais completa e alvissareira, pois alvitra reformular os tributos diretos e indiretos e suas distorções nocivas ao país.

Visando acelerar o processo de aprovação e debates, foi criada a Comissão Mista Temporária destinada a consolidar o texto da Reforma Constitucional Tributária (Ato Conjunto do presidente do Senado Federal e do presidente da Câmara dos Deputados nº 01/2020), sendo o senador Roberto Rocha, o presidente dessa Comissão e o deputado Aguinaldo Ribeiro, como relator.

No decorrer do ano de 2020, a Comissão Mista realizou diversas reuniões, sendo uma das últimas, a audiência pública com o secretário Especial da Receita Federal do Brasil, a assessora especial do Ministro da Economia, o representante da COMSEFAZ (Comitê Nacional de Secretários da Fazenda, Finanças, Receitas ou Tributação dos Estados e Distrito Federal), Bernard Appy do CCIF e o ex-deputado Hauly.

Do exposto, andou bem o Congresso Nacional em criar citado comitê misto, permitindo-nos concluir que estamos caminhando sim para alcançar uma proposta única.

 

IPC: Quais as últimas informações e atualizações sobre a reforma tributária? E, quais as principais, que no mínimo devem ser apreciadas e consideradas?

MS: O texto unificado ainda não foi finalizado e apresentado ao público. É sabido que, além das PECs 45 e 110, o executivo federal já apresentou ao Congresso Nacional, como “parte” da reforma tributária, o desmilinguido Projeto de Lei nº 3.887/2020, que pretende a criação da restrita Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) em substituição apenas da atual cobrança de PIS/Pasep e COFINS, e ainda, destaca-se o movimento Simplifica. Já, que conta com diversos apoiadores, dentre eles entidades que congregam agentes fiscais dos estados e dos municípios, projeto esse, inclusive, albergado pelo falecido senador Major Olímpio.

Não posso deixar de mencionar também a importante atuação do Instituto Atlântico na contribuição de Proposta Aglutinadora à PEC 110, encaminhada aos membros da Comissão Mista do Congresso Nacional e ao Ministério da Fazenda, proposta essa encabeçada no âmbito econômico e jurídico por Paulo Rabello de Castro e por mim.

Algo que temos difundido em especial, e as PECs 45 e 110 estão na direção certa, diferentemente da proposta do executivo federal, é que as grandes distorções no sistema constitucional tributário residem nos tidos tributos indiretos, os quais elegem como fato gerador a receita (o faturamento) e não o lucro. Reforma tributária que não combata e aniquile as anomalias do ICMS e do ISS, com seus 27 regulamentos estaduais e mais de 5.500 regulamentos municipais, com regras fartas e arenosas, acompanhadas de deletérias guerras fiscais, melhor que não venha, pois do contrário será mais um puxadinho tributário.

Pela expressividade do tema, são 27 regulamentos do ICMS, diga-se, não uniformes entre si, e mais de 5.500 regulamentos do ISS, todos disciplinando a seu modo, fato gerador, base de cálculo, alíquota, formas de apuração e recolhimentos, e outros assuntos envolvendo obrigação principal e acessória.

Precisamos unificar o IPI/ICMS/ISS/PIS/COFINS em um tributo nacional, como já consta nas PECs 45 e 110 sob a denominação de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, tributo nacional), correspondendo ao IVA (Imposto sobre Valor Agregado) adotado há décadas em mais de 120 países, representando mais de 70% da população mundial, ou seja, mais uma vez estamos na contramão do mundo (destacadamente dos países desenvolvidos).

Já que não conseguiremos uma reforma estruturante com redução rápida da carga tributária, resta-nos adotar uma efetiva remodelação simplificadora às empresas e aos profissionais, com automática redução dos elevados custos administrativos e tecnológicos para apurar e declarar tributos no país.

 

IPC: Quais são os cuidados ou as providências, que as empresas devem ter, levando em conta a reforma tributária?

MS: Um ponto significativo de atenção das empresas e dos profissionais envolvidos deve ser o monitoramento da reforma tributária, em especial no que diz respeito a instituição do nosso IVA  (nos textos das PECs 45 e 110 com o nome de IBS – Imposto sobre Bens e Serviços), no que tange ao seu impactos econômicos no desenvolvimento dos negócios, nos mais diversos segmentos, bem como pela sua nova  forma de apuração (o IBS será devido ao destino) e de contabilização. Certamente, a fase de transição para o novo sistema tributário será bem desafiadora.

Muitos países já adotam o IVA há muitos anos com êxito, o Brasil está em muito atardado, não só no tocante à mudança do padrão tributário, mas também na simplificação tributária tão necessária, ambos adotados nos países com os quais competimos.

 

IPC: Quais os principais aspectos e desafios enfrentados pelas áreas tributárias frente aos novos cenários tecnológicos?

MS: Em relação aos novos cenários tecnológicos, temos como pano de fundo:

(a) um sistema bancário global ágil e eficiente;

(b) o indubitável deslocamento de sedes das empresas para efeito de melhor territorialidade tributária; e

(c) as inovações efluídas da inteligência artificial.

Daí temos os avanços significativos no e-commerce com a sua larga escala, nacional e internacional, nos mais diversos segmentos econômicos, com a pandemia contribuindo para aceleração deste processo irreversível. Neste contexto, do ponto de vista tributário, o desafio local será a pretensa instituição de novo tributo: o imposto digital, desenhado e ambicionado pelo Ministério da Economia, o qual  já sinalizou interesse pela sua criação, embora não inserido nas PECs em tramitação no Congresso Nacional. Ao nível internacional, temos os movimentos dos governos para obstaculizar, na órbita jurídica ou econômica, sedes das multinacionais em paraísos fiscais ou em regiões com tributação favorecida.

 

IPC: Na expectativa de uma reforma tributária, as organizações já devem tomar alguma providência quanto a sua organização tributária e fiscal?

MS: Sim. É prudente que as empresas, especialmente as que elaboram orçamentos anuais ou plurianuais, ou que estão desenhando futuras implantações de unidades de negócios ou o lançamento de novos produtos ou serviços, incluam nos planejamentos estratégicos o impacto sinalizado pelo eventual novo cenário tributário.

Considerando que não haverá redução de carga tributária com a aprovação da reforma tributária, em qualquer cenário (PEC 45 ou PEC 110 – unificadas ou não), alerto: alguns segmentos, como por exemplo,  o de prestação de serviços e o de  locação de bens, hão de ter  maior impacto econômico com a proposta do novo sistema tributário (entendam, pagarão mais tributos em relação aos outros segmentos, embora no contexto macroeconômico  não deve haver aumento de carga tributária).

 

IPC: Nesse sentido, quais serão os desafios aos empresários?

MS: A carga tributária brasileira é explicitamente alta, portanto, se haver a reforma tributária, deve-se monitorar as propostas de acordo com o segmento da empresa e os pleitos das entidades representativas dos setores.

 

IPC: Com o fim da pandemia, ou o controle dela, a reforma tributária será considerada prioritária do governo? Qual o futuro do país pós-cenário de pandemia?

MS: Em princípio sim, penso que no 2º semestre deste ano, no Congresso Nacional, os debates acerca da Reforma Tributária devem evoluir e ganhar contornos definitivos, pois se isso não acontecer, o tema vai perder força e tende a ficar para a próxima legislatura.

O futuro do país pós-pandemia vai depender em grande parte do senso de urgência do legislativo (uma Emenda Constitucional requer aprovação, com quórum qualificado, pela Câmara dos Deputados e do Senado Federal) e precisamos peremptoriamente de duas meritórias reformas: a tributária e a administrativa, para que a economia brasileira retome o trilho do desenvolvimento sólido, rumo para um PIB mais vigoroso para o bem de todos.

 

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